segunda-feira, abril 16, 2012

A morte da solidão

“Este livro pertence aos homens mais raros. Talvez nenhum deles sequer esteja vivo.”
F. Nietzsche

Enquanto os olhos corriam pelas letras, o pensamento voava longe. Avoada, procurava buscá-lo onde estivesse e fixá-lo ali, sobre o papel. Antes estivesse dentro das folhas, por entre as fibras. Queria ancorá-lo, fixá-lo em local de sua escolha. Queria livrar-se das idéias recorrentes, dos desejos provocadores, dos sonhos que sonhava acordada.
O livro, que deveria ser seu porto seguro, tornava-se então seu cruel espelho. Quanto mais buscava mergulhar em suas linhas, mas ele mostrava que ali não era o seu lugar.
A personagem, tão leve, parecia provocá-la diretamente. Tanta serenidade, bondade, amigos por todos os lados. Família perfeita, corpo bonito, inteligente e acima de tudo humilde. Para ela, a personagem, não existia a palavra frustração. Os sonhos não realizados eram nada mais que desafios, desafios que encarava com a mesma leveza com que sorria para tudo e todos.
“Apenas ficção”, pensava ela, a leitora. Faltava-lhe um tanto de calma, outro tanto de paciência. Não admitia ser invejosa, mas de fato não se conformava com aquilo que considerava como injustiças. E ainda que a rival fosse apenas uma personagem, quisera ela ser protagonista de sua própria história, quisera ela ser digna de estampar as páginas de um livro qualquer.
Naquela noite não dormiu. Sonhou com o mar. Mergulhou fundo e de fato sentiu-se imersa em azul. Mas o fôlego lhe faltou. Um pesadelo horrível. Acordou aos prantos e não soube com quem contar.
Um copo d’água, um chá, e muitas zapeadas depois, recorreu ao velho amigo, morada de sua opositora. Com um tanto de rancor, de fato, mas sozinha não podia ficar. E ao rever a personagem, sentiu que ao menos uma companhia para ela havia. E que não seria julgada e nem se esconderia. E que por mais difícil que fosse, conhecê-la estava lhe ajudando a se conhecer um pouco mais também.
Se pudesse optar, não o leria, mas o impulso era maior, irresistível. Algo fazia com que acreditasse que o livro era sim destinado a ela. Ainda que, mais do que nunca, se sentisse diferente de tudo e todos, pela primeira vez acreditava que algo havia sido destinado a ela. A ela que, após um mergulho tão fundo, deixava, finalmente, morrer um pouco da solidão dentro de si e entregava-se a seu único amigo.

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