quinta-feira, novembro 09, 2006

05/10/04

O funk carioca desceu o morro e agora, em uma nova fase, virou fashion. Com ele chegou ao asfalto a alegria daqueles que sempre rebolaram em frente à televisão, frustrados por saberem que não seriam bem-vindos aos bailes funk. Desceu também a revolta de muitos que vêem as letras como alusão e incentivo à violência, ao sexo inconseqüente e à exploração da mulher. Sabemos que boa parte das letras trata de sexo, mas eu não saberia dizer se trata-se da maioria ou não. Independentemente disso, me incomoda menos o fato de haver letras consideradas “pornográficas” do que saber que existe um comportamento generalizado de valorização do corpo em detrimento da cultura, a famosa embalagem no lugar do conteúdo. E este comportamento não prevalece apenas entre os pobres, os miseráveis, mas muito mais entre as classes média e rica, que lotam clínicas de estética e de cirurgia plástica, em busca da beleza comprada, fácil e cara. Não me incomoda, no entanto, pensar que, em forma de música e dança, as mais acessíveis expressões populares, os moradores do morro carioca conseguiram mostrar à classe média e agora, ao poucos, ao mundo, a realidade de seus jovens, de seus homens e de suas meninas. Me incomoda profundamente pensar que meninas estão sendo exploradas sexualmente e ensinadas (por seus pais, mães, padrastos, amigos, pela TV, pelas novelas, pela “Malhação”, pelo cinema norte-americano etc) que seu papel é ser uma serviçal do sexo proporcionando satisfação aos homens. Mas me agrada a idéia de que as mulheres estão virando o jogo, em figuras surpreendentes como a de Tati Quebra-Barraco. Ao nossos olhos desacostumados à sinceridade o fato gera desconforto e um convite à revolta. Outro ponto. Há muitas músicas que não se referem ao sexo. Me parece muito interessante ouvir letras como “É som de preto, de favelado, mas quando toca, ninguém fica parado”; ou “Eu só quero é ser feliz, andar tranqüilamente na favela onde eu nasci, e poder me orgulhar, e ter a consciência que o pobre tem seu lugar.” Aí sim eu vejo o verdadeiro papel do funk, dizendo que existe uma voz, um discurso, convertendo-se em música e festa. E que esta voz pode começar a ecoar no morro, e descer para o asfalto, e chegar à Vila Olímpia e em outros cantos do mundo. E essa voz pode chegar em forma de bem de consumo, assim como todos os sons e músicas que estamos ouvindo. Porque mercantilizamos tudo em nossa sociedade capitalista, mas quando o pobre começa a se dar bem neste meio, nos sentimos incomodados, sentimos nosso mercado e nossos espaços nas prateleiras ameaçados, e queremos que eles fiquem quietos nos morros sem ocupar “nosso” espaço nas lojas. Há ainda as letras vazias, aquelas que servem apenas para brincar, fazer festa e extravasar, como uma que diz algo como “acende o celular” etc e tal. Podemos dizer o que for, mas só quem nunca pulou marchinhas de carnaval sem o menor nexo poderá atirar a primeira pedra. Com relação a qualidade da música, não posso nem me arriscar a opinar porque sou uma ignorante musical assumida. Prefiro ficar quieta, pois entendo apenas de dançar, dar risada e me divertir.

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